ENTREVISTA REALIZADA POR ISABEL MARINHO E ISABELA MINELLI
Disciplina de Política e Jornalismo Político - Prof. Vanderlei Dias | 2º semestre de 2019
“Na ciência política nós apontamos cenários, não fazemos previsões”
Rafael Moreira é cientista político, pesquisador associado do NUPPS (Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP) e atua também como comentarista de política de alguns veículos de comunicação da Baixada Santista, como: o Jornal Tribuna, a TV Santa Cecília e a revista Fórum. Com 12 anos de trajetória acadêmica, Rafael tem graduação e licenciatura em Ciências Sociais pela USP, mestrado e doutorado no Departamento de Ciência Política, no qual apresentou como principal linha de pesquisa o sistema partidário brasileiro pós-transição democrática e a história interna do PMDB. Já no NUPPS, ele estuda o perfil da classe política brasileira com dados da Câmara dos Deputados. Nessa entrevista, Rafael trata sobre assuntos em pauta da atual situação política brasileira, com foco em suas constantes reformas.
Como o senhor interpreta a prisão do Ex-Presidente Lula ?
Como cientista político, acho importante levar em consideração que as pessoas, muitas vezes, acreditam numa dita independência do poder judiciário, mas não é bem assim. Tal como no executivo e no legislativo, ele é suscetível a pressões externas, e ele não só responde, como, constantemente, canaliza demandas de outros setores. No caso da prisão do ex-presidente Lula, um setor da sociedade brasileira já denunciava a existência de uma parcialidade por parte da Operação Lava Jato, parcialidade essa que muitas vezes tentava se maquiar, mas neste caso ficou evidente. A série de mensagens e áudios vazados mostra que de fato o poder judiciário estava suscetível a pressões e que havia um interesse oculto, tirar de cena aquela que é uma das principais lideranças políticas do Brasil pós transição democrática e da esquerda brasileira historicamente. As pesquisas mostravam que Lula tinha muita força nas eleições de 2018, caminhava como favorito, logo, por meio dos vazamentos é nítido que existiu um claro interesse de tirar ele do páreo.
A Reforma da Previdência realmente será suficiente para reduzir os déficits fiscais em curto prazo e estabilizar a dívida pública como alega o governo?
É importante e necessário se discutir uma Reforma da Previdência no Brasil, sobretudo, porque atravessamos um período de transição demográfica. Quando se tem um processo como esse acontecendo em uma sociedade, de fato tem que se começar a estudar maneiras de discutir uma reforma. A questão é que, o que está posto nesta, para mim, é um completo absurdo em vários aspectos, primeiro porque ainda há uma discussão no país do quanto de fato há um déficit, já que se calcula isso de maneiras diferentes. Esse discurso de que há e que para isso seja necessário uma reforma, pelo que eu vejo e ouço, não se sustenta, até porque se de fato houvesse, precisaria mexer em parcelas que mais contribuem para tal, como a dos militares, que apresentam uma contribuição grande, porém isso quase não acontece, já que esse setor tem muita pressão e espaço no governo atual. Desta forma, não se discute a fundo o que seria uma reforma da previdência para reduzir um possível déficit fiscal a curto prazo e a que se tem agora, apresenta muito mais interesse do mercado por trás, fazendo as pessoas migrarem para uma previdência privada, do que de fato resolver a dívida pública.
Em sua opinião, os direitos outrora garantidos ao trabalhador e agora cerceados ou diminuídos, serão suficientes para que novos postos de trabalho sejam criados e, concomitantemente, as pessoas tenham acesso a um emprego digno?
O principal discurso do governo era que se fazia necessário uma reforma para modernizar a legislação trabalhista e que, rapidamente, se melhoraria a condição de criação de emprego no Brasil, ou seja, superaria a altíssima situação de desemprego atual. Porém, está claro que não era exatamente assim, tanto que pessoas que defendiam a reforma trabalhista, hoje já declararam isso publicamente. Havia um interesse oculto, o discurso era sempre que o trabalhador tinha de escolher entre direitos ou comida, inclusive, houve um terrorismo midiático na disputa de narrativa. Os postos de trabalho criados no país são ,progressivamente, informais e os direitos que possuíamos protegiam, minimamente, o trabalhador brasileiro. Há países que não tem nenhum tipo de legislação protetiva para quem está na parte que é explorada pelo mercado de trabalho, que usufrui dos empregos criados, portanto, cada vez mais, isso se torna um entrave e me parece que o alto empresariado brasileiro foi quem bancou a propaganda para essa reforma ocorrer.
Qual a sua opinião sobre o impacto da gestão privada no aumento do recolhimento de impostos e diminuição de gastos com folha de pagamento que impacta nos cofres da união?
Sempre que algum governo anuncia um determinado pacote de privatizações, ele aponta uma finalidade para tal e promete promovê-lo. É importante ressaltar que, muitas vezes, o que é prometido não é cumprido e as pessoas esquecem o que estava sendo assegurado pra se levar adiante a reforma. O discurso apresentado, por exemplo, que a reforma acertaria as contas do Brasil com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e acabaria com o déficit é um exemplo disso. Portanto, quando o governo atual anuncia um pacote privatizações é necessário ter em mente o que ele está querendo por meio da proposta. O governo atual sempre elogia a gestão privada, diz que é melhor do que a pública, mas a Vale do Rio Doce provou o contrário. Enquanto as empresas públicas precisam responder a órgãos de controle do Estado, as empresas privadas se autorregularizam, desta forma, não apresentam uma gestão tão transparente de seus problemas internos.
Quais os impactos em relação a credibilidade Brasil no cenário internacional após o corte de recursos para a preservação da floresta Amazônia?
O impacto é sobretudo de credibilidade, é muito mais uma crise de imagem. Não estou negando a existência de incêndios, eles existem e pelo que os dados mostram eles estão fora da curva e são estimulados pelo governo com todo o discurso anti-ambiental apresentado desde a posse. O governo brasileiro adotou uma retórica completamente diferente da Bolívia, por exemplo, que também atravessa incêndios, primeiro negando a existência de incêndios, depois dizendo um dos maiores absurdos, que eles são ocasionados por ongs, ou seja, o governo não leva em conta que esse tipo de declaração tem repercussão internacional, que vira manchete no mundo inteiro, e apresenta um discurso contra a pauta ambiental, conspiratório, que vai na contramão do que tem acontecido no mundo, visto que países europeus, por conta de sair na frente da revolução industrial, assumem e tentam adotar uma retórica pró-ambiental. Isso afeta o brasil de várias maneiras, uma delas é em relação a investimentos e, normalmente, quando se tem uma crise assim, o que acaba acontecendo é a troca de ministério,ou seja, o ministro caí.
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