ARTIGO ESCRITO POR GIOVANA BARONE, ISABEL MARINHO E ISABELA MINELLI
Oficina de Análise Comparativa - Prof. Fernando Moraes
RESUMO
O presente artigo tem como base a análise comparativa de conteúdo de duas revistas brasileiras consideradas opostas, Carta Capital e Veja, tanto no espectro político, como no que se diz respeito a linhas editoriais. As eleições marcadas pelos extremos foi pauta dos meios de comunicação por mais de um mês. De um lado, Fernando Haddad representando a esquerda; de outro, Jair Bolsonaro, a direita e no meio, a mídia, não só definindo a pauta social, mas influenciando o processo eleitoral.
Qual o posicionamento adotado pelas revistas Carta Capital e Veja durante as eleições de 2018? Para responder esse questionamento, buscou-se observar o direcionamento de ambas de 26/09/2018 até 24/10/2018 (Carta Capital edições 1022-1026 / Veja 2601-2605) utilizando, como sustentação teórica, a teoria de agendamento de Maxwell McCombs e Donald Shaw, juntamente com a metodologia de análise de conteúdo de Wilson Corrêa da Fonseca Júnior, que integra o livro Metodologia de pesquisa em jornalismo.
A análise de conteúdo segundo Krippendorff (1990) “é uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” e possibilitou o desenvolvimento de um estudo para verificar o discurso e o lugar de fala de ambas revistas citadas anteriormente, mostrando não só a capacidade de influenciar seus leitores e determinar a agenda pública, como os recursos utilizados para tal.
O que nos interessa nessas primeiras asserções, não é chegar a conclusões de como as revistas funcionam ideologicamente, mas por meio de uma base teórica-metodológica identificar seus respectivos posicionamentos e sua influência na corrida presidencial de 2018.
Palavras-chave: Veja; Carta Capital; influência; eleições; política
1. INFLUÊNCIA DA MÍDIA
Em 1922, Walter Lipmann (1889-1974), escritor americano, jornalista e comentarista político, escreveu o livro “Public Opinion”, a obra que afirmava que os meios de difusão de informação atuavam de forma a criar estereótipos e assim, conseguiam não só manipular mas determinar a opinião pública.
A obra serviu de sustentação para a teoria desenvolvida por Maxwell McCombs e Donald Shaw, que, posteriormente, viria a ser chamada de Teoria do Agendamento. Segundo essa teoria, o público tende a dar mais importância e significância aos assuntos expostos nos veículos de comunicação, sendo assim, a pauta midiática estabelece a opinião pública.
Será que as revistas semanais influenciam a opinião pública? Segundo Alberto Carlos Almeida, cientista político e sócio do Instituto Brasilis, há vários fatores que influenciam o eleitorado, mas não necessariamente determinam o voto. As pessoas definem suas posições por meio de: ideologia, visão de mundo, preferências partidárias, propostas do governo, nível de informação política, influência das opiniões do núcleo familiar, imagem dos candidatos e situação socioeconômica.
Porém, uma pesquisa realizada pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) com parceria com a CNI (Confederação Nacional da Indústria) revelou que 71% dos entrevistados se informam por meios jornalísticos e quando diz respeito a portais de notícias online, a porcentagem sobe para 84%, dessa forma, a influência midiática é evidente.
Em pleno século XXI, os setores da imprensa, dependendo dos seus objetivos, vão contra a ética da imparcialidade e fazem grande balbúrdia com os resultados, mesmo quando tal candidato não possui mudanças significativas entre uma pesquisa e outra. Por meio de saliências, a mídia impõe sua opinião e dita os assuntos mais importantes para os seus leitores, ou seja, ela influencia o processo eleitoral, mas não necessariamente decide o voto.
As revistas também estabelecem essa ligação com o público, colocam um assunto na agenda pública de forma que ele se torna o foco da atenção e do pensamento do público e este é o estágio inicial na formação da opinião pública. As matérias de capa são a prova disso, dar atenção a um assunto em vez de outro, dar mais páginas a uma matéria ou mais enfoque a um personagem é um posicionamento.
Vale ressaltar que, o jornalismo escrito sempre se caracterizou por uma participação mais política do que propriamente econômica na história brasileira.
2. CARTA CAPITAL
A revista Carta Capital desde a primeira edição analisada, a 1022, publicada no dia 26/09/2018, se posicionou muito mais. Apoiou abertamente a esquerda, favorecendo o candidato que representava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Haddad, e criticando firmemente o candidato Jair Bolsonaro.
Na edição 1022, ainda antes do primeiro turno e na época da rejeição da candidatura de Lula pelo TSE por 6 votos a 1, a revista escreveu “A eleição de Lula, entretanto, criou ânimo novo por um tempo curto demais” e “neste momento, a única esperança é representada pela força de Lula, pelo peso eleitoral que o ex-presidente conserva na sua condição de único líder de dimensão nacional”. Na mesma matéria, colocou em destaque a frase: “Fator decisivo da ascensão fascista foi o apoio de uma pequena burguesia recalcada e ambiciosa, aqui o capitão explora a ignorância” em relação ao Bolsonaro.
A capa estava relacionada ao tópico das mulheres, principalmente, artistas, que se posicionaram contra Jair Bolsonaro e apoiaram a manifestação “Mulheres Contra Bolsonaro” que ocorreu no dia 29/09/2018.
Na edição 1024, do dia 10/10/2018, três dias após o primeiro turno, a capa veio com a manchete “Trabalho e Lula x Patrões e Ódio” mostrando o lado esquerdo do rosto de Haddad e o lado direito do rosto de Bolsonaro, jogo de imagem para representar o posicionamento de cada um. Ao longo de toda matéria de capa, houve apoio ao primeiro com as afirmativas: “reencarna o trabalhismo”, “seu partido tem uma campanha com ares de luta de classes pelos pobres e trabalhadores” e críticas ao segundo com: “Collor mais raivoso” e “candidato cujas pérolas homofóbicas e racistas agradam sobremaneira aos porcos e só fazem crescer a sua vara de eleitores”.
A revista citou o cenário das pesquisas do Ibope, que já previa este segundo turno e colocou gráficos de menções na mídia (ambivalente, favorável, contrária, neutra) dos candidatos entre janeiro e setembro.
Na Edição Especial Da Eleição, número 1026, do dia 24/10/2018 (última antes do segundo turno), a manchete da capa foi “O fantoche Bolsonaro” e toda a matéria foi exclusivamente sobre o candidato. Houve algumas menções a Lula, o ex-presidente era mencionado como “velho caríssimo amigo” e “ex-presidente condenado sem provas”, enquanto Haddad era visto como uma “vítima” de toda essa situação.
Já Bolsonaro foi citado, tirando a entrevista com o ex-ministro da Defesa Celso Amorim, cerca de 73 vezes com expressões como: “nada nem ninguém é pior que Jair Bolsonaro” “insanidade bolsonarista” e adjetivos como: “político do mal”, “bozo” e “capetão”.
A distribuição das fotografias nas páginas, num âmbito geral, foi parecida em todas as edições. Colocavam a foto da figura principal da matéria, na maioria das vezes, os candidatos, entre o centro e a parte superior, deixando a parte inferior para terceiros também citados. Fotos em relação a Jair Bolsonaro tinham caráter crítico como ele conversando com políticos polêmicos, manifestações contra sua candidatura e atos cometidos por seus eleitores. Fotos em relação a Haddad apresentavam caráter aprovador com imagens dele sorrindo em manifestações pró-esquerda/Lula, em entrevista com jornalistas e fotos de Lula ainda atuando como presidente.
3. VEJA
A revista Veja em todo o processo eleitoral foi contra os extremos, PT ou PSL. Apesar de mostrar oposição contra ambos candidatos (Fernando Haddad e Jair Bolsonaro), ela foi mais imparcial do que a Carta Capital, principalmente, quando o segundo turno já estava definido.
“A disputa radical” foi a manchete da edição 2601, a primeira analisada, o cenário do segundo turno estava praticamente definido depois do ex-presidente Lula declarar apoio a Fernando Haddad. Os petistas tinham como estratégia conseguir os votos de pessoas de centro atrás de articulações. Nesta edição, a Veja optou apresentar as estratégias dos possíveis partidos a concorrer no segundo turno.
No dia 18 de setembro, o rascunho da “Carta aos Brasileiros” do candidato Bolsonaro contava com afirmações de que ele era o único capaz de vencer o PT, como forma de atrair os eleitores dos candidatos do centro que não queriam a volta do partido ao poder. Além disso, o documento negava que Bolsonaro era racista, homofóbico e machista.
A revista deu ênfase a estratégia de Haddad, que passou a usar argumentos que a população teria que escolher entre “a civilização e a barbárie”, “a democracia e o fascismo” e a “paz e a violência”. Ele também negou conceder indulto ao ex-presidente.
O magazine promoveu no dia 19 de setembro um debate no Teatro Santander, no qual nem Bolsonaro, nem Haddad compareceram. Nele, outros candidatos à Presidência da República se posicionaram sobre o possível segundo turno. Alvaro Dias comentou que seria um cenário “trágico”. Para Geraldo Alckmin, a vitória de Haddad representaria a “escuridão” e a de Bolsonaro um “salto no escuro”.
A candidata da Rede, Marina Silva, comentou que os eleitores teriam que escolher entre o autoritarismo de esquerda e o de direita, enquanto João Amoedo afirmou: “Não os vejo capazes de fazer um governo para melhorar o Brasil”.
Mesmo com a preocupação com o segundo turno entre PT e PSL, nenhum dos candidatos considerava a possibilidade de abrir uma nova empreitada com o objetivo de tentar salvar o país das opções extremadas.
As vésperas do primeiro turno, a edição 2602 foi publicada (03/10/2018), nela adjetivos e expressões pejorativas apareciam. Quando citava Jair Bolsonaro, as seguintes expressões se faziam presentes: “chefe fora de combate”, “capitão da reserva”. Quando mencionava Fernando Haddad, as expressões, na maioria das vezes, faziam alusão a Lula, como: “padrinho preso”, “poste”, “candidato teleguiado”.
A edição mostrava oposição declarada a Jair Bolsonaro com a matéria “O processo”. A Veja não só apresentou o processo que o envolvia, mas colocou fontes que se contradiziam, por exemplo: de um lado, apareciam as afirmações de sua ex-mulher negando o furto de seu cofre no banco e de outro, os relatórios do próprio banco na época, comprovando o ocorrido.
Com o segundo turno definido, a revista expôs os dois lados dos candidatos e mesmo assumindo essa postura “mais imparcial”, ela não deixou de salientar seu posicionamento.
A edição 2603, publicada no dia 10/10/2018, teve como capa: “O Duelo da insensatez” e a seguinte linha fina: “ Por que Bolsonaro e Haddad, cada um a seu modo, são um risco de retrocesso para o país”, com essa matéria, o magazine exibiu sua decepção com o cenário do segundo turno e apontou que a vitória de qualquer um dos dois seria um atentado a democracia no país.
A manchete “O pleito dos rejeitados” dessa edição apresentou uma matéria específica sobre os dois candidatos. Por um lado, o título “O inverno petista” referia-se a retomada do PT ao poder, e apesar de falar moderadamente bem de Haddad, mencionando sua formação em direito, seu mestrado em economia e sobre ele nunca ter participado ativamente da vida partidária do PT, a revista não descartava que a vitória dele seria a vitória de Lula.
Por outro, “Salto no escuro” referia-se à candidatura de Jair Bolsonaro. Ela apontou que as principais qualidades do candidato eram o fim da corrupção e a segurança, em contrapartida, seus defeitos eram considerados uma ameaça de retrocesso político e social. Segundo o filósofo Demétrio Magnoli: “Não é que o golpe esteja sendo preparado, mas voltamos à situação anterior ao regime militar, entre 1945 e 1964, em que ninhos conspiradores discutiam e faziam política o tempo todo nos quartéis”.
As fotos também contribuíram para construir um discurso a respeito dos extremos das eleições. Na primeira foto da matéria de capa, Bolsonaro aparecia com a parte direita à mostra, enquanto a esquerda estava oculta (forma encontrada para mostrar o posicionamento político dos candidatos). A imagem foi acompanhada de uma dura crítica as atitudes do candidato à presidência, essa por sua vez, alertava sua má influência no campo social.
Na segunda, Haddad tinha o lado direito de seu rosto oculto, enquanto o esquerdo estava à vista. Na legenda, mais uma vez, a Veja reafirmou a imagem do candidato como “o fantoche” do ex-presidente Lula com a seguinte frase: “Haddad: tutelado por Lula, sem voz ativa no partido e pressionado por petistas com sede de vingança”.
A postura autoritária do candidato do PSL causou grande alarme na população, mas o pior de sua vitória foi o discurso contra grupos identitários. A sua influência sobre a população causou ataques verbais e físicos contra a minoria. Para Spektor, professor de relações internacionais da FGV, as pessoas se sentiram no direito de dizer em voz alta, ofensas ao público LGBT e aos negros, já que o seu presidente fazia o mesmo.
4. CONCLUSÃO
Ambas as revistas adotaram um posicionamento durante o processo eleitoral. Os veículos noticiosos, em geral, ficam fascinados com as pesquisas de opinião pública durante campanhas políticas devido a discussão de quem é contra, a favor ou está indeciso. Saliências foram utilizadas para favorecer aquilo que lhe era mais favorável ou cabível e o público foi muito influenciado, mas isso não necessariamente decidiu o seu voto.
A revista Carta Capital manteve um posicionamento intacto, consentiu abertamente com a candidatura de Fernando Haddad (candidato que representa o ex-presidente Lula) e desaprovou propostas e ações de Jair Bolsonaro. Utilizou-se de expressões e adjetivos pejorativos para tirar credibilidade do adversário e vangloriou feitos do ex-presidente para justificar seu apoio.
Por outro lado, a Veja foi mais imparcial, tomou mais cuidado com os adjetivos e as expressões utilizadas em suas matérias e não declarou apoio a nenhum candidato. Porém, ainda sim estabeleceu um posicionamento, construindo um discurso de reprovação aos extremos das eleições e apontando pontos e contrapontos.
REFERÊNCIAS
McCombs, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública - tradução de Jacques A. Wainberg. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
Sodré, Muniz. A máquina de Narciso - 3ª edição - São Paulo: Cortez, 1994.
Carta Capital, (2018). #EleNão. Carta Capital. Volume nº 24/setembro - edição 1022.
Trabalho e Lula x Patrões e Ódio. Carta Capital. Volume nº 24/outubro - edição 1024.
Carta Capital, (2018). O Fantoche Bolsonaro. Carta Capital. Volume nº 24/outubro - edição 1026.
Veja, (2018). Especial 50 anos. Veja. Volume n°: 39/setembro - edição 2601.
Veja, (2018). O Processo. Veja. Volume n°: 40/outubro - edição 2602.
Veja, (2018). O duelo da insensatez. Veja. Volume n°: 41/outubro - edição 2603.
Veja, (2018). Os generais de Bolsonaro. Veja. Volume n°: 43/outubro - edição 260.
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